quarta-feira, 4 de abril de 2012

Amores e Veleiros



Escreve-se muito sobre viagens e belos planos com veleiros. Podemos achar muitas lindas histórias, memórias e poesias sobre como barcos são apaixonantes. Somente raras pessoas que já tiveram a oportunidade de construir uma vida a bordo, sabem exatamente do que se tratam tais sentimentos. Ninguém que apenas vive de final de semana num veleiro ou acha que vida a bordo acontece num barco terminado, pronto para velejar, num pier com água, luz e uma marinheiro para fazer o trabalho pesado poderá entender tamanha paixão. Também não entenderiam aqueles que acham que já tem um companheiro a bordo, mas infelizmente apenas uma das pessoas consegue realmente sentir a magia e acreditam numa reciprocidade que muitas vezes não passa de ilusão e brincadeira.



Hoje ouvi algo interessante: ‘’Ser feliz é algo que dá trabalho. A felicidade é um sentimento para pessoas fortes, intensas e valentes. Não existe espaço na felicidade para pessoas preguiçosas e fracas.’’ Neste momento pensei que assim funciona um veleiro, pois um barco navega quando sua tripulação é forte e ativa. Ele navega quando seu comandante deixa claro quem manda e quem está no controle. As coisas funcionam quando tudo é feito na hora certa e de forma perfeita. Não existe espaço para acúmulo de falhas.


Após compreendida essa verdade consiguimos enxergar o porquê muitos idealizam uma linda vida a bordo. Como sempre, as pessoas tendem a se lembrar apenas das partes boas e românticas: o pôr do sol, a brisa fresca, o isolamento da cidade, o belo horizonte colorido e muitas luzes para enfeitar. Esquecem que num veleiro, o momento mais fácil de tirar fotografias bonitas é quando o mar está calmo e o sol está intenso.

Difícil mesmo é manter esse romantismo na hora de trocar o óleo do motor, escalar o mastro, lavar os tanques, o porão, pintar o fundo, lavar o convés, trocar as velas ou enfrentar uma tempestade. Ter uma companhia a bordo vai muito além de companheirismo e confiança. É necessário completar o parceiro e ter um auto-conhecimento além do comum. É necessário saber seus próprios limites e mais difícil ainda, identificar os limites do outro. É um verdadeiro jogo de encaixe onde existem peças de todas as formas e tamanhos e cabe aos envolvidos, juntos, encaixarem o quebra-cabeças, no momento certo e não apenas nas horas mais fáceis e com o mar calmo, mas sim, quando o mar está revolto, a noite está escura escondendo grandes ondas e o frio da madrugada assola o convés e o corpo cansado.

Viver a bordo é acordar de madrugada no seu turno e ter alguém que faça um pouco de companhia até você conseguir acordar e te ajudar a não dormir em momentos importantes. Ter alguém que faça um chocolate quente apenas por fazer. Viver a bordo é deixar sua vida nas mãos do seu companheiro de vela no momento de uma manobra perigosa, confiando-lhe o leme e o movimento das velas. É ter alguém que tire uma ou duas fotos nos momentos difíceis e muitas fotos nos momentos lindos, mas no final, o que ficará mesmo são as histórias e aventuras.

Quando acostumamos a ter tal confiança e colocarmos tantas expectativas nas mãos de alguém, extendemos isso para a vida pessoal em terra e em todos os momentos em que tal pessoa está disponível. Passamos a confiar na pessoa sempre que precisamos dela, seja para dirigir o carro ou simplesmente trocar uma lâmpada.

Porém, a vida a bordo em excesso pode tornar tudo mais pesado. Com tantas dificuldades, o encanto acaba, as pessoas que não tiverem uma personalidade guerreira e decidida tendem a fugir da intensidade desta vida bem vivida e sentida como nenhuma outra e facilmente desistem. O espírito de equipe antes admirado e respeitado se torna apenas mais uma relacionamento, seja de amor ou amizade, fadado ao fracasso como todos exposotos a fatalidade da rotina.



Veleiros podem ser tornar um brinquedo da vida se não tomarmos cuidado. Algo que ao invés de contruir e unir, irá separar e deixar apenas uma vencedor: a solidão. A solidão de quem fica em terra e a de quem fica sozinho a bordo, ambos com lembranças memoráveis e saudosas de algo que poderia ser o mais belo dos relacionamentos. Veleiros foram feitos para pessoas fortes e sem temor de viver. Pessoas com medo do vento forte, porém corajosas e dicididas a enfrentar seus próprios demônios que aparecem livres e fortes quando temos apenas nós mesmos para conversarmos entre um turno e outro.

O lado bonito que todos sempre lembram é que veleiros também foram feitos para dividir momentos, construir relacionamentos improváveis e raríssimos nos dias de hoje, onde qualquer diferença ou adversidade, é motivo para mudar e trocar de pessoa como fazemos com as coisas materiais atualmente. Sim, o mais belo todos nós pesamos, mas esse peso, com os prós e contras, só verdadeiros velejadores e seres humanos conseguem sentir, pesar suas medidas na balança do coração e no final ainda assim, com todos os riscos, medos e perigos, escolher um amor e um veleiro.